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Garimpo provoca a morte de rios e traz doenças aos índios Munduruku, no Pará

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Amazonia Real – Marcio Camilo
Cuiabá (MT) – Atividades de extração ilegal de ouro no Rio das Tropas estão prejudicando cerca de mil índios da Terra Indígena (TI) Munduruku, na região do Alto Rio Tapajós, no sudoeste do Pará. A situação é denunciada pelas lideranças indígenas da região. Eles afirmam que o garimpo – que está aberto há mais de dois anos – trouxe doenças aos indígenas como a malária e a diarreia. Além disso, a garimpagem provoca o assoreamento e o desvio do curso de rios e igarapés importantes para a rotina dos Munduruku.

O presidente da Associação Indígena Pussuru, Adaisio Kirixi Munduruku disse à agência Amazônia Real que o garimpo no Rio das Tropas já resultou em grandes danos ambientais, como a derrubada de centenas de árvores e a morte de igarapés que eram utilizados na rotina dos indígenas. “Os igarapés eram importantes para nós, pois eles serviam para a pesca e para a viagem de pequenas embarcações indígenas”, lamentou a liderança.

A Terra Indígena Munduruku é homologada e tem 2.382 mil hectares, onde vivem mais de 6.518 pessoas, entre eles, índios Apiaká, que são do tronco linguístico Tupi-Guarani. A população total de índios Munduruku é de mais de 13.700 pessoas, ocupando mais 12 territórios entre os estados do Mato Grosso, Pará e Amazonas.

De acordo com a Fundação Nacional do Índio (Funai), no entorno da região do garimpo na TI Munduruku há 17 aldeias onde vivem 217 famílias (ou 990 pessoas).

A extração ilegal de ouro ocorre em uma extensão de 1.900 hectares do Rio das Tropas, na região de Jacareacanga, distante a 1.154 quilômetros em linha reta de Belém.

Investigações apontam que dois garimpeiros controlam a atividade de exploração ilegal na TI Munduruku; são chamados de Boi na Brasa e Luis Barbudo. Este último é Luís Rodrigues da Silva, representante do Movimento em Defesa da Legalização da Garimpagem Regional, acusado de crimes ambientais nos território indígenas Munduruku e Sawré Muybu, no Pará.

A agência Amazônia Real localizou Luis Silva, mas ele não atendeu a reportagem para falar sobre as acusações por crimes ambientais nas terras indígenas. O garimpeiro Boi na Brasa não foi localizado pela reportagem.

A Funai ressalta que os garimpeiros trouxeram grandes transtornos às comunidades Munduruku. Um deles é a degradação dos mananciais do igarapé Água Branca e do próprio Rio das Tropas, afluente do Tapajós, que são utilizados para o abastecimento de água, além de serem fonte de alimento das aldeias.

O órgão indigenista diz que acompanha a situação de perto e que no mês passado se reuniu com os representantes dos Munduruku, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para tratar dos impactos socioambientais. Desse encontro ficou definido que os órgãos farão atividade de conscientização e de repressão ao garimpo ilegal.

Marcelo Apiaká, liderança indígena da etnia Apiaká, destaca que uma das maiores tristezas com relação a invasão de garimpeiros no território, foi o desvio do igarapé Massaranduba – um belo curso de água que corria dentro da mata fechada. Ele conta que o garimpo desprotegeu o igarapé e o tornou com águas barrentas e sem vida.

“Ele (o igarapé Massaranduba) era tão bonito. Agora nele não tem mais peixe, só tem sujeira”, lamentou Marcelo.

Há seis meses, o Ibama realizou uma ação de combate no igarapé Água Branca, ao lado da Floresta Nacional do Crepori, município de Novo Progresso, no Pará. A investigação detectou o envolvimento de um grupo de índios Munduruku envolvido diretamente com a prática do garimpo.

Para o procurador do Ministério Público Federal no Pará, Paulo de Tarso Moreira, esses indígenas estabeleceram uma relação de muita proximidade com grupos de garimpeiros “e acabaram sendo permissivos com a exploração ilegal de minério”.

Isso, de certa forma, segundo Moreira, viabilizou o garimpo em grande escala na região. Atualmente há cerca de 66 retroescavadeiras na terra dos Munduruku, conforme levantamento do MPF.

Moreira explicou que para liberar o garimpo, esse grupo de índios recebe uma porcentagem do ouro extraído. “É um valor que, a princípio, pode até parecer significativo para aqueles que recebem e utilizam o dinheiro para situações básicas, na compra de alguns alimentos que estejam faltando, por exemplo. Mas se você pegar a cadeia do ouro, esse valor é basicamente uma espécie de ‘cala a boca’. É um valor que não acrescenta em nada, pelo contrário: ele maquia uma situação de extremo prejuízo a esses povos indígenas”, observou o procurador do Ministério Público Federal.

Ele também disse que compete aos órgãos ambientais como o Ibama e o ICMbio fazerem a identificação e a autuação dessas pessoas que praticam o garimpo ilegal. “Evidentemente que esses procedimentos serão feitos pelas autoridades em momento oportuno. E isso ficou bem claro na audiência pública que tivemos com eles (indígenas e garimpeiros), pois o MPF e nenhuma autoridade de fiscalização se furtará de exercer o seu papel constitucional. A mensagem foi passada”, salientou Moreira.

O procurador do MPF ponderou, no entanto, que não se pode crucificar toda uma etnia por causa desse pequeno grupo que foi permissivo ao garimpo. Ele enfatizou que a grande maioria dos Munduruku é contra a extração do ouro que tem gerado o desmatamento da floresta e a morte de peixes e outra vidas aquáticas por causa do assoreamento de rios e igarapés na região amazônica.

“O povo Munduruku é a grande vítima desse processo”, reiterou Paulo de Tarso Moreira.

O coordenador de Operação e Fiscalização do Ibama, Roberto Cabral Borges, salientou que o órgão desenvolve várias ações de combate ao garimpo ilegal em terras indígenas. O monitoramento é feito via satélite.

Com relação à Terra Indígena Munduruku, o Ibama disse que na megaoperação realizada no mês de junho na região do igarapé Água Branca, documentos e maquinários foram apreendidos e desativados pela fiscalização. A operação contou com apoio de policiais da Força Nacional.

Cabral destacou que a operação foi muito importante no sentido de coletar informações para identificar as pessoas que estão financiando a atividade do garimpo. Ele disse que os dados foram repassados à autoridade policial para que os responsáveis sejam localizados e punidos.

Ele enfatizou que o garimpo está sendo extremamente danoso ao meio ambiente e ao povo Munduruku. Isso porque a atividade é feita de modo desordenado, em que os garimpeiros querem apenas retirar o ouro e se mudar para outro local, sem se importar com qualquer dando ambiental provocado.

O coordenador da Fiscalização do Ibama detalhou que o garimpo já resultou num grande desmatamento da floresta, no assoreamento de rios e igarapés, bem como na contaminação da água com mercúrio e partículas de poeira. Essas partículas ficam nos igarapés que desaguam nos principais rios da região, o que também resulta numa grande mortandade de peixes que servem de alimento para muitos índios.

“A atividade garimpeira é extremamente degradante. Por isso que ela precisa de um estudo de impacto ambiental sério e que a empresa que vai executar essa atividade seja capaz de recuperar ou pelo menos mitigar as ações e os danos ambientais”, acrescentou Borges, coordenador de Operação e Fiscalização do Ibama.

Ele atentou para o fato da legislação brasileira ainda ser muito branda em relação aos crimes ambientais. Cabral disse que dificilmente uma pessoa é presa quando pratica garimpo ilegal, e quando ocorre a prisão o encarceramento não passa de um ano.

“Apesar da legislação ser pródiga no sentido de abarcar várias situações de delito, por outro lado, ela é ruim na parte de penalizar os infratores. E o resultado disso é que já aconteceu de a gente prender uma mesma pessoa várias vezes praticando garimpo. A sensação de impunidade é muito grande”, lamentou Cabral.

O que dizem os Munduruku?

Na ocasião da operação de junho passado, o Movimento Munduruku Ipereg Ayu e a Associação Da’uk, da região do Alto Tapajós, e a Associação Pariri, do Médio Tapajós, divulgaram uma carta aberta com uma posição unificada sobre o envolvimento de indígenas no garimpo ilegal. No documento, os indígenas reafirmam a decisão, tomada em assembleia geral da Nação Munduruku, de combater os garimpos, criticando duramente os parentes envolvidos na atividade. Mas também alertam: os donos de garimpos nem foram incomodados nessa operação.

Depois do 1º. Encontro dos Caciques do Povo Munduruku do Alto Tapajós, em agosto, um grupo de lideranças e guerreiros decidiu partir para o Rio das Tropas, em Jacareacanga, para fazer uma mobilização na área e retirar por conta própria os garimpeiros. A ação, segundo Adaisio Munduruku, contou com a presença de representantes do Ibama, Funai e ICMbio. Os indígenas exigiram a retirada dos garimpeiros. Parte deles saíram e a outra parte ficou.

Adaisio Munduruku, disse que os órgãos fiscalizadores se comprometeram em fazer uma nova operação no Rio das Tropas para a retirada dos demais garimpeiros. Mas como isso não ocorreu, muitos daqueles que saíram retornaram ao canteiro do garimpo.

“Estão voltando de novo pra área. Porque a gente combinou com o Ministério Público de Santarém (PA), Ibama e ICMbio pra fiscalizar e retirar os garimpeiros não-indígenas. Até o momento não foi feito essa operação e estamos aguardando por ela”, lamentou a liderança Munduruku.

Ele conta que os garimpeiros não-índios começaram a explorar essa área do território Munduruku a convite de um grupo de indígenas. Adaisio explica que os indígenas perderam o controle e muitos garimpeiros de fora começaram a explorar a terra, principalmente com o uso de máquinas pesadas, o que resultou na poluição de rios, igarapés e numa grande mortandade de peixes.

“Depois foi entrando bebidas alcoólicas, drogas e não teve mais como controlar. Aí alguns dos moradores daquela região fizeram uma denúncia contra o garimpo. Eu sempre fui contra o garimpo dos não-indígenas. Já o indígena não tem problema, pois o trabalho dele é feito de maneira tradicional”, argumenta.

Adaisio menciona que garimpeiros do grupo de Boi na Brasa são os grandes responsáveis pelo garimpo com maquinário na região do Rio das Tropas. Para a liderança, esses garimpeiros deveriam pagar uma indenização aos indígenas por todo dano ambiental e estrago que eles estão provocando na floresta e no rio.

“Os garimpeiros trabalham e os peixes e os tracajás [animal semelhante à tartaruga] estão morrendo. Tudo que vive no rio está morrendo. Na minha opinião os garimpeiros tem que pagar indenização, porque eles destroem todos os rios e os índios não conseguem mais navegar com suas embarcações. Isso é um problema muito sério”, alerta a liderança Munduruku.

A agência Amazônia Real procurou o Ibama para falar sobre a questão. O órgão disse que a prática do garimpo é ilegal em terra indígena, seja ela feita por índio ou não-índio. O entendimento do Ibama é acompanhado pela Funai.

O procurador Paulo de Tarso Moreira, do MPF no Pará disse que o órgão trabalha com uma abordagem mais pedagógica, no sentido de conscientizar os envolvidos sobre os prejuízos causados pela atividade. Foi nesse sentido que no mês passado a instituição promoveu uma audiência pública na região, que envolveu garimpeiros e lideranças indígenas.

Moreira disse que até o momento a Funai e o Ibama não encaminharam nenhum auto de infração que pudesse identificar, individualmente, os responsáveis pelo garimpo. “Mas assim que essas informações chegarem, o MPF não se eximirá de suas funções legais, entre elas a defesa do meio ambiente e dos povos indígenas”, enfatizou o procurador.

Ele detalhou que além do dano ambiental, o garimpo na região gerou um problema de ordem social e criminal. “É uma situação que acontece desde sempre, já que a região sudoeste do Pará é conhecida por sua vocação ao garimpo, pois o solo é muito rico em jazidas de ouro. E isso sempre despertou o interesse de vários grupos de garimpeiros”.

“Só que essa riqueza do ouro não é nada se comparada a riqueza das matas. É uma riqueza temporária, que enfraquece o solo, que é a verdadeira riqueza em si, dá onde vem o alimento e sustento de uma forma geral dos povos indígenas da região. Além disso, os índios usam pequenas embarcações para o transporte fluvial, o que fica inviabilizado por conta do garimpo que provoca o assoreamento dos igarapés”, acrescentou o procurador do MPF no Pará.

Moreira ponderou ainda que atividade de garimpo é muito cultural na região e movimenta a econômica de cidades como Itaúba e Jacareacanga. Ele disse que ao abordar a situação, o MPF precisa ter sensibilidade e não incriminar sumariamente todos os garimpeiros. “Se você fizer isso, o debate fica inviabilizado”, afirmou.

Procurada para falar sobre o envolvimento de índios Munduruku com o garimpo, a Funai disse que se trata de uma pequena parcela de indígenas que praticam a garimpagem, e que o órgão ficou a par dessa situação “em virtude das recentes atas e reuniões ocorridas para discutir o assunto”.

“A Funai sempre se posicionou informando da ilegalidade das atividades de garimpo, ainda que estas sejam realizadas também por indígenas”, disse o órgão.

Sucateamento
Na avaliação do procurador Paulo de Tarso Moreira, a Funai está sucateada devido à falta de interesse do Governo Federal em investir em políticas públicas que favoreçam o acesso a saúde, a educação e a bens de consumo aos povos indígenas. Esse cenário, diz Moreira, favorece a ação dos grupos de garimpeiros que constantemente aliciam os indígenas, diante de um Estado ausente e inoperante.

“Aquela visão romantizada do índio vivendo da pesca e caça, isso ainda existe em tribos isoladas, mas não é dado a ninguém dizer como determinada comunidade ou determinado povo irá se desenvolver. Eles têm o direito de buscar formas de rendas, até porque lhes foram cortadas as políticas públicas em decorrência do sucateamento da Funai. E os exploradores (garimpeiros) se aproveitam disso”, concluiu Moreira.